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segunda-feira, 30 de março de 2009

Linguagem Jurídica


1 LINGUÍSTICA JURÍDICA

Lingüística jurídica é, segundo Cornu, um ramo do estudo da lin­guagem que vem se desenvolvendo, dedicado ao estudo da linguagem do direito.
A denominação desta nova área da Lingüística indica um duplo caráter de estudos:

1) Lingüístico — na medida em que tem por objeto todos os meios lingüísticos de que o direito se utiliza. Examina os signos lingüísticos que o direito emprega (as palavras, sob a relação de seu sentido e forma) e os enunciados que o direito produz (as frases e os textos, tendo em vista sua função, estrutura, estilo, apresentação, etc.). Um estudo de tal natureza é puramente lingüístico. Numa perspec­tiva bem ampla, podemos até indagar se o direito não é ele mesmo uma linguagem. Podem despertar atenção os signos não-lingüísticos de que o direito faz uso (vestimentas). Trata-se especificamente de observar os signos fônicos (e sua representação gráfica) da língua natural (falada e escrita), no uso que o direito faz dela, para
sua comunicação, para a criação de direito (pela lei, costume ou vontade privada) ou quando de sua realização (notadamente pelo julgamento ou administração).

2. Jurídico — porque a linguagem que é observada é aquela do direito (da norma, da decisão, da convenção, das declarações, das nego­ciações, das relações, do ensino). Este estudo é jurídico, porque a linguagem jurídica ou comum é sempre objeto de uma regra de direito (quando a lei exige o ensino de uma língua, ou exclui o uso de outra, ou exige, no uso de uma língua, o emprego de certas palavras etc.). Este estudo é jurídico, ainda, por todas as ações jurídicas que se exercem sobre a língua: a lei nomeia (os contratos, os delitos) , a lei consagra num emprego novo (com sentido particular) um termo da língua usual, a jurisprudência e a doutrina concorrem para isso. A lingüística é aqui jurídica pela impregnação da linguagem pelo direito. Ela tem entre seus objetos as interações da linguagem e do direito, quer dizer, tanto a ação do direito sobre a linguagem como a ação da linguagem sobre o direito. É essencial compreender que o estudo lingüístico da linguagem do direito conduz necessariamente àquele do direito de linguagem.

2. LINGUAGEM JURÍDICA

Estas proposições preliminares repousam sob duas hipóteses: supõem, de um lado, que existe uma linguagem do direito, e, de outro, que seu estudo merece uma elaboração, sob este nome, como uma aplicação da lingüística ao direito.
A prova da existência da linguagem jurídica não se separa da busca de sua especificidade. Pode-se, entretanto, indagar sobre o que repousa a percepção global de uma linguagem do direito como fato lingüístico bruto, teste elementar de existência, antes de procurar por quais traços ela se caracteriza.
É banal opor a linguagem usual à linguagem jurídica, algumas vezes mais especialmente à linguagem judiciária, isto é, linguagem jurídica é a deno­minação geral da linguagem do Direito, mas ela apresenta vários níveis, como é o caso da linguagem judiciária, que é aquela usada nos processos, nos Tri­bunais, conforme veremos no item 3.6, abaixo. A percepção da linguagem do direito repousa sobre elementos de observação objetivos, primeiro os signos anunciadores despertam, depois os dados de base se fazem reconhecer.
Signos anunciadores — a existência da linguagem jurídica é espontane­amente atestada por uma reação social. Este dado imediato de ordem socio-lingüística é também confirmado por uma observação lingüística precisa.
Em primeiro lugar, é fato que a linguagem jurídica não é imediata­mente compreendida por um não jurista. Aquele que só possui a linguagem
comum não a compreende de pronto. A comunicação do direito encontra um obstáculo no "anteparo" lingüístico. O leigo experimenta um sentimento de "estrangeiridade" (Sourioux e Lerat). A linguagem do direito existe para não ser compreendida. Ela está fora do circuito natural de intercompreensão que caracteriza as trocas lingüísticas ordinárias entre os membros de uma mesma comunidade lingüística.
Este fenômeno de opacidade é um fato de experiência. O ensino do direito, no início de seu estudo, encontra este obstáculo, e as definições elementares necessárias a sua compreensão devem freqüentemente sacri­ficar sua precisão técnica em busca de equivalentes populares. Que alguém tente ler para um público não iniciado certos artigos de lei ou os motivos de uma decisão de justiça, a mensagem corre o risco de ser recebida como um jargão. Essa impressão não é própria apenas de um público não-instruído, mas também de um auditório culto. Ela deve-se, em parte, à interposição de certas palavras.
Em segundo lugar, faz parte dos signos anunciadores a pertinência jurídica exclusiva de certos termos que não têm sentido numa língua, senão sob o olhar do direito. Determinados termos da língua não têm outro sentido que o sentido jurídico. O direito pode dar-lhes um ou mais sentidos, mas é sempre do direito que eles obtêm seu sentido. Eles não têm nenhum sentido fora do direito; não têm nenhuma outra função senão exprimir, na língua, as noções jurídicas. Pode-se propor nomeá-los "termos de pertinência jurídica exclusiva".
Na língua, estes termos constituem um lote definido, por exemplo: anticrese, sinalagmático. Eles são as primeiras testemunhas da linguagem do direito. Concorrem, freqüentemente, para criar o obstáculo lingüístico. Mais radicalmente, a reunião desses termos exclusivamente jurídicos cons­titui o nó cego de um vocabulário especial, próprio do direito. E é revelando a existência, no seio da língua, de um vocabulário jurídico que se revela a existência de uma linguagem do direito da qual o vocabulário é, entre outros, um elemento de base.
Dados de base — considerando-se a questão de forma mais global, a existência da linguagem do direito surge, em plenitude, da colocação em evidência dos dois elementos que a constituem.
Há uma linguagem do direito porque o direito dá um sentido particular a certos termos. O conjunto desses termos forma o vocabulário jurídico.
Há uma linguagem do direito porque o direito enuncia de uma ma­neira particular suas proposições. Os enunciados do direito dão corpo a um discurso jurídico.
O vocabulário jurídico é, no seio de uma língua, o conjunto de termos que têm, nesta língua, um ou mais sentidos jurídicos.


3. VOCABULÁRIO JURÍDICO

Parece, à primeira vista, que o vocabulário jurídico não se limita apenas aos termos de pertinência jurídica exclusiva. Ele se estende a todas as palavras que o direito emprega numa acepção que lhe é própria. Ele engloba todos os termos que, tendo ao menos um sentido no uso ordinário e ao menos um sentido diferente aos olhos do direito, são marcados pela polissemia, mais precisamente por esta polissemia que se pode chamar externa (em razão da sobreposição de sentidos de uma mesma palavra no direito e fora do direito, em oposição à polissemia interna). Estes termos de dupla pertinência são muito mais numerosos que os termos de pertinência jurídica exclusiva.
A soma de todos estes elementos constitui um subconjunto da língua, uma entidade distinta caracterizada, no seio do léxico geral, pela juridicidade do sentido das unidades que a compõem.
Estas unidades são repertoriadas. Cada uma é definida nos dicionários especializados. Seu conjunto bem merece o nome de vocabulário, se se aceita considerar como tal toda subdivisão específica do léxico geral. Se se admite, mais precisamente, que o conjunto dos termos empregados num domínio do conhecimento para exprimir o caminhar desse conhecimento constitui o vocabulário desse domínio, o direito, nesse sentido, tem seu vocabulário.
Resumidamente, pode-se dizer que o vocabulário jurídico é composto pelos seguintes tipos de termos:

1) termos que possuem o mesmo significado na língua corrente e nalinguagem jurídica, por exemplo, hipótese, estrutura, confiança,reunião, critério, argumentos, etc.;

2) termos de polissemia externa, isto é, termos que possuem umsignificado na língua corrente e outro significado na linguagemjurídica; por exemplo:

— sentença — na língua corrente significa uma frase, uma oração;já na linguagem jurídica, significa a decisão de um juiz singularou monocrático;
— ação — na língua corrente significa qualquer ato praticadopor alguém, na linguagem jurídica é a manifestação do direitosubjetivo de agir, isto é, de solicitar a intervenção do Poder Judi­ciário na solução de um conflito, podendo, assim, ser sinônimode processo, demanda;

3) termos de polissemia interna, isto é, termos que possuem mais deum significado no universo da linguagem do Direito; por exemplo:
— prescrição (prescrever) — pode significar na linguagem jurídica:determinação, orientação, por exemplo: A lei prescreve em taiscasos que se aplique o art.... pode também significar a perda de um direito pelo decurso do prazo, por exemplo: O direito de agir, em tais casos, prescreve em dois anos;

4) termos que só têm significação no âmbito do Direito; não têm outrosignificado a não ser na linguagem jurídica; por exemplo, usucapião,enfiteuse, anticrese, acórdão, etc.;

5) termos latinos de uso jurídico; por exemplo: caput, data venia,ad judicia, etc.

4 DISCURSO JURÍDICO

Sua existência não é tão evidente como a do vocabulário jurídico. Mas sua importância é pelo menos tão considerável como dado de base da linguagem do direito.
Partindo-se de uma de suas manifestações visíveis, pode-se, a princípio, observar que a linguagem do direito não está somente nos termos que ele emprega, mas também nos textos que ele produz. A primeira realidade "legí­vel" desta linguagem está nos textos do direito: texto de lei, de julgamento, de contrato etc. Ora, bem entendido, esses textos não são aqui considerados sob sua relação com os documentos que os suportam, como atos instrumen­tais. Eles são considerados como encadeamentos de frases. A lei expõe seus motivos e enuncia suas disposições, artigo por artigo; o julgamento enuncia seus motivos e seu dispositivo; o contrato, suas estipulações, cláusula por cláusula, etc. São enunciados de direito. Propõe-se nomear como discurso jurídico o conjunto dos enunciados do direito.
Entretanto, o enunciado escrito não é senão um exemplo inicial. A expressão oral também produz discursos jurídicos. A arte oratória, cronolo­gicamente, é anterior. Escrito ou oral, todo enunciado jurídico é um discurso jurídico.
Resta compreender o essencial: em que o enunciado de direito é lingüisticamente específico. De toda evidência, esta especificidade não se prende aos termos do enunciado, pois ela se remeterá àquela do vocabulário. A juridicidade do discurso refere-se à sua finalidade. É jurídico todo discurso que tem por objeto a criação ou a realização do direito.
Já vimos que, no seu sentido primeiro, linguagem é a faculdade natural de falar, o uso da palavra (no sentido em que se diz que a linguagem é pró­pria do homem). Uma língua é o modo particular pelo qual esta faculdade é posta em uso numa comunidade lingüística. Se admitimos estas definições, a linguagem do direito não é nem uma linguagem, nem uma língua.
Mas dá-se também o nome de linguagem, no seio de uma língua, ao modo particular pelo qual ela é falada num grupo ou num setor de atividade, se pelo menos este modo apresenta propriedades lingüísticas suficientes, para ser isolado como um falar particular. Diz-se que se trata de uma linguagem especial ou especializada. É nesse sentido que o direito tem sua linguagem, assim como a medicina, a sociologia ou a economia.
Entretanto, o direito ao qual atribuímos uma linguagem como se ele fosse o locutor não é senão uma designação global cômoda. O direito corres­ponde a um sistema jurídico complexo: o sistema fala por muitas bocas. A linguagem jurídica é assim uma linguagem plural.
Em cada país, a linguagem jurídica é um uso particular da língua na­cional (língua culta padrão). É uma linguagem de especialidade.
Disso decorre uma evidência a ser proclamada de início: que os juristas franceses falam francês, que os espanhóis falam espanhol, assim como os juristas brasileiros falam português. O voto primordial é que a linguagem do direito esteja no "gênio" de sua língua, isto é, que ela tenha dela a correção, a pureza e a elegância.

5. CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM JURÍDICA

No seio da língua nacional, a linguagem jurídica se singulariza por al­guns traços que a constituem como linguagem especializada. A especificidade dessa linguagem refere-se, como já vimos, à existência de um vocabulário jurídico e às particularidades do discurso jurídico. Esta especificidade pode ser analisada sob outro ângulo, se introduzirmos outras considerações, como aquelas referentes às pessoas, ao assunto ou à história. A linguagem do direito é, sob a reserva de uma ambigüidade que pesa sobre todas essas caracterís­ticas, uma linguagem de grupo, técnica e tradicional. Esta ambigüidade de que se fala resulta de ser a linguagem jurídica ao mesmo tempo culta (na sua origem), popular (por destinação), técnica (na produção). Sua juridicidade a especializa quando sua finalidade é a de se destinar a todos.
Uma linguagem de grupo — a linguagem do direito é principalmente marcada por aquele que "fala" o direito: por aquele que o edita (legislador) ou aquele que o diz (juizes), mais amplamente, por todos aqueles que concorrem para a criação e para a realização do direito.
Sob certo ponto de vista, a linguagem jurídica é uma linguagem pró-, fissional. É a linguagem pela qual os membros das profissões judiciárias e jurídicas exercem suas funções; aqueles que a empregam no cumprimento de suas tarefas, os magistrados, os advogados, os tabeliães, etc. Não é, pois, a linguagem de uma só profissão, mas de um ramo de atividades. Este cará­ter profissional atenua-se, entretanto, pelos parlamentares e membros das administrações que fazem uso da linguagem jurídica, sem ser profissionais do direito.
Sob a mesma reserva, deslocando um pouco o ponto de vista, a lingua­gem do direito é, mais amplamente, a linguagem da comunidade dos juristas. A "família" dos juristas é mais ampla do que o círculo das profissões jurídicas. A linguagem do direito é um traço comum daqueles que têm uma formação jurídica. Nesses casos, ela é uma linguagem cultural.
A linguagem do direito não é, entretanto, para o grupo, um meio de comunicação de uso interno. Nemojus ignorare censetur. A linguagem do direito tem a vocação de reinar não somente sobre as trocas entre iniciados, mas na comunicação do direito a todos a ele sujeitos. Nesses casos, pode-se dizer que a linguagem do direito é uma linguagem pública, social, uma lin­guagem cívica. Esta destinação geral conduz a uma distinção essencial.
O domínio da linguagem do direito por um grupo é um "fato de posse". O fato lingüístico e sociolingüístico é que a comunicação está sob a influência quase exclusiva do emissor, não somente porque ele é lingüisticamente o agente da expressão e, fundamentalmente (em geral), o autor da mensagem, mas porque ele domina, por profissão, tanto a expressão como o código (no sentido lingüístico) e o referente (o código, no sentido jurídico do termo).
Mas a consideração do destinatário da mensagem jurídica introduz na análise contrapontos de caráter normativo. Ela faz de início reconhecer — é uma evidência — que o domínio do grupo não estabelece em seu favor ne­nhum monopólio de direito. Todos os cidadãos têm direito a manifestar sua opinião. Sobretudo esta consideração com o destinatário lembra aos juristas a função social da linguagem jurídica. A máxima "A ninguém é dado ignorar a lei" implica dizer que a linguagem do direito é, senão a linguagem do povo, pelo menos uma linguagem para o povo. O poder da linguagem cria, pois, para seus detentores um dever de linguagem em relação a seus destinatários.
Uma linguagem técnica — A especialidade da linguagem do direito refere-se também a sua tecnicidade. É a tecnicidade do próprio direito. A especialidade da linguagem vem aqui da matéria. A linguagem jurídica é técnica, principalmente por aquilo que ela nomeia (o referente); secundaria­mente, pelo modo como ela enuncia (isto é, sobretudo por seu vocabulário e por seu discurso).
Ela nomeia as realidades jurídicas, isto é, essencialmente as instituições e as operações jurídicas, entidades que o direito cria, consagra ou modela. Assim ela nomeia todos os níveis dos poderes públicos, todas as formas de atividade econômica, as bases da vida familiar, os contratos, as convenções.
O direito nomeia igualmente as realidades naturais e sociais que ele apreende e transforma em "fatos jurídicos", atribuindo-lhes efeitos de direito. Assim, ele nomeia os delitos e as situações jurídicas.
Mais geralmente o direito nomeia todos os elementos que o pensamento jurídico recorta da realidade, para torná-los noções jurídicas, categorias (é este recorte original que engendra o vocabulário técnico).
Enfim, os próprios enunciados do direito são também, freqüentemente, técnicos, porque eles seguem o pensamento jurídico em suas operações mais ár­duas: interpretação, apreciação, pressuposição, qualificação, raciocínio, etc.
Uma tal tecnicidade contribui para excluir a linguagem jurídica da comunicação natural. Mas é importante compreender:

1) que, nos limites acima traçados, a tecnicidade da linguagem dodireito é uma exigência irredutível da função social do direito;
2) que a disputa entre a linguagem técnica e a linguagem corrente(culta padrão) é um problema mal colocado. De início porque a
linguagem corrente não é uma alternativa da linguagem jurídica. São dois elementos complementares. A linguagem do direito baseia-se na língua que a conduz. As marcas técnicas não são senão pontos em relevo sobre o fundo claro da linguagem corrente. Em segui­da, porque muitas vezes se confunde a tecnicidade da linguagem jurídica com o uso de arcaísmos, ao qual a tecnicidade não está necessariamente ligada.

Uma linguagem tradicional — A linguagem do direito é, na maior parte, um legado da tradição. Pelas máximas do direito esta tradição é ime-morável. Para a linguagem legislativa e a linguagem judiciária, a referência é mais recente. Pode-se dizer que a linguagem jurídica do século XX não difere fundamentalmente daquela do século XIX. A especialidade da linguagem do direito é, quanto a isso, inscrita na história. A perenidade relativa dessa linguagem reforça e coroa sua originalidade.
Esta observação, entretanto, apresenta nuances que devem ser escla­recidas, a fim de evitar graves mal-entendidos.
Deve-se deduzir que a linguagem do direito é arcaica? Na definição de arcaísmo, a antigüidade é um elemento necessário, mas não suficiente. Tudo que é arcaico é antigo, mas tudo que é antigo não é arcaico. A presença de um termo velho ou mesmo antigo num texto de lei em vigor ou num aresto recente não é suficiente para tachá-lo de arcaísmo. O arcaísmo não aparece senão a partir do momento em que um fato de linguagem (termo ou torneio) que é supostamente anterior a uma mutação jurídica e/ou lingüística perde, pelo fato desta mudança, a força que tinha no início do uso, para cair mais ou menos rapidamente em desuso.
O critério de perda do uso, entretanto, vai depender da linguagem a que se refere. Há muito menos perdas na linguagem jurídica, pois é raro que um termo caia em desuso na comunidade dos juristas que é conservadora.
A impressão de arcaísmo que o leigo experimenta advém, muitas ve­zes, porque a linguagem jurídica, para designar coisas correntes, continua a empregar termos que não são mais do uso corrente, mas essa impressão não procede quando a linguagem jurídica emprega, para designar as coisas jurídicas, os termos de precisão que não têm nenhum equivalente no léxico geral, por exemplo, enfiteuse, anticrese, etc. A raridade de seu emprego, mesmo entre os juristas, não é índice de seu desuso, mas somente efeito da raridade de suas aplicações.
Outro erro seria acreditar que a linguagem do direito é fixa. Ela evolui. A importância do neologismo no vocabulário jurídico é a principal manifestação dessa evolução. A renovação da linguagem do direito não é uniforme; varia em função da área, manifestando-se principalmente nas matérias que são objeto de reformas fundamentais. Essa renovação é sobretudo um ato de legislação. Não somente porque a jurisprudência poderia ser mais conservadora, mas porque o poder de nomear, sobretudo quando ela acompanha a reforma do direito, é uma prerrogativa de soberania. O nominalismo é principalmente legislativo.
É cômodo falar-se em linguagem do direito ou linguagem jurídica. Mas essa expressão é enganosa se faz nascer a idéia de que uma tal linguagem corresponde a uma realidade homogênea. A linguagem do direito é plural a duplo título: ela é plurifuncional e pluridimensional.
No seu conjunto, a linguagem jurídica é uma linguagem prática. Ela está a serviço do direito. Ela é ordenada à criação e à realização do direito.
Mas esta destinação global não impede que a linguagem jurídica as­suma uma pluralidade de funções; pelo contrário, unida ao direito, do qual é a expressão, a linguagem assume as diversas funções. Assim, parece de início que a linguagem jurídica, instrumento de elaboração da lei (no sentido genérico do termo), do julgamento, das convenções e mesmo da literatura jurídica, participa das funções legislativa, judiciária, da atividade contratual, da criação doutrinária, da ação administrativa. A linguagem acompanha todas as fontes e vias do direito. Ela circula em todos os canais da criação e da realização do direito.

6. NÍVEIS DA LINGUAGEM JURÍDICA

A linguagem do direito compreende, pois, vários níveis. A suposição global de uma única realidade é substituída pela observação de muitos níveis lingüísticos. Não existe uma linguagem jurídica, mas uma linguagem legisla­tiva, uma linguagem judiciária, uma linguagem convencional, uma linguagem administrativa, uma linguagem doutrinária. O estudo do discurso jurídico não pode ser feito a não ser por nível de linguagem.
Assim, levando-se em consideração que a finalidade é que atribui a juridicidade à linguagem jurídica, pode-se detalhar seus níveis em:

1) linguagem legislativa — a linguagem dos códigos, das normas; suafinalidade: criar o direito;
2) linguagem judiciária, forense ou processual — é a linguagem dosprocessos; sua finalidade é aplicar o direito;
3) linguagem convencional ou contratual — é a linguagem dos con­tratos, por meio dos quais se criam direitos e obrigações entre aspartes;
4) linguagem doutrinária — é a linguagem dos mestres, dos doutri-nadores, cuja finalidade é explicar os institutos jurídicos, é ensinaro direito;
5) linguagem cartorária ou notarial — a linguagem jurídica que tempor finalidade registrar os atos de direito.

A percepção dessas distinções não deve, entretanto, conduzir a exage­rar a sua importância. A rejeição da visão redutora de uma linguagem jurídica monolítica não conduz à análise extrema de uma superposição de níveis
estanques, estranhos entre si. Há muita interferência e pontos comuns entre os ramos legislativo, judiciário, doutrinário e outros, que impedem esta visão contrária. Em cada um desses ramos, a verdadeira redistribuição consiste em discernir aquilo que lhe é próprio e aquilo que é comum a todos, isto é, o vocabulário jurídico, e pontos comuns na estrutura dos enunciados.
As distinções que põem em evidência a análise funcional da linguagem do direito são fundadas sobre o emissor da mensagem jurídica. Sua importância é primordial e mostra bem a influência preponderante daquele que fala. Entre­tanto, o emissor não é tudo na comunicação. O destinatário também é levado em conta. Tomar o destinatário em consideração introduz outras distinções, sob o benefício de uma observação que não contradiz essas distinções, porque essa observação é de ordem jurídica, mas pesa sobre as distinções.
A máxima: "A ninguém é dado ignorar a lei", que enuncia uma regra de direito, dá à linguagem do direito sua dimensão natural. Se o direito é feito para todos, a linguagem do direito também. O veículo conduz o direito aonde quer que ele vá. Mas a decomposição do raciocínio faz ressaltar os pontos de estrangulamento. Se ninguém pode se subtrair à lei alegando ignorá-la, a exceção de incompreensão é tão inoperante quanto a exceção de ignorância. A presunção de que cada um conhece a lei decorre da presunção de que cada um a compreende. E, como a presunção é quase sempre irrefragável, pode-se temer que a ficção jurídica seja agravada por uma ficção lingüística.
Isto sugere, de maneira simples, mas firme, uma direção àquele que fala. A máxima se volta contra o autor da mensagem. Ela requer dele a clare­za, exige que ele se faça compreender. A máxima jurídica tem um corolário lingüístico: o dever de ser claro. Se a ninguém é dado ignorar a lei, aquele que faz a lei está sob a lei de saber fazer-se entender. Mas esse dever de clareza é de ordem prescritiva, é uma recomendação lingüística que depende, lato sensu, do direito lingüístico, não da observação lingüística.
A tomada de consideração do destinatário faz ver que as relações que se estabelecem entre o emissor e ele não se desenvolvem, de fato, na mesma dimensão. Há dois tipos principais de relações.
Na comunicação mais aberta, a mensagem vai de um jurista a um leigo (ou pelo menos a um destinatário que não se supõe ter uma formação jurí­dica). É o caso não somente do texto da lei, mas também de todos os atos individuais que são levados ao conhecimento daqueles a quem interessam, por uma notificação. A comunicação se opera de iniciado a não iniciado.
A comunicação é mais fechada quando ela funciona entre iniciados, todos dotados de uma formação jurídica. A relação da linguagem se estabelece entre interlocutores de profissão: de advogado a advogado, de advogado a magistrado. A mensagem de iniciado a iniciado circula de forma fechada.
A distinção dessas diversas relações não esvazia a consideração da má­xima evocada. Ela se afirma sobre um outro plano. Aquele dos fatos. É uma observação lingüística que engendra conseqüências. Sob este ponto também, a pluralidade reina sobre a linguagem do direito.
A linguagem do direito, pois, não é uma língua e não é una. Mas esta linguagem existe sob a forma de dois elementos que a constituem in intellectu, em seu vocabulário, e in actu, em seu discurso, em diversos níveis e diversas relações que, sobre um fundo comum, fazem viver múltiplas manifestações.

segunda-feira, 16 de março de 2009

NÍVEIS DE LINGUAGEM

LINGUAGEM JURÍDICA
Notas de Aula



NÍVEIS DE LINGUAGEM


A linguagem humana é, sem dúvida, rica em recursos expressivos e atente às mais variadas necessidades de comunicação e de expressão. Essa diversidade pode ser sentida em sua plenitude ao considerarmos que, independente de dominar a norma culta ou não, todos os seres humanos, em todos os lugares do planeta, comunicam-se.
Se tormarmos como horizonte o planeta e todos os seus falantes fica nítida a diferença da linguagem entre alguns países – a grande maioria fala idiomas diferentes um do outro. Há ainda países que falam mais de uma língua oficialmente, como o nosso vizinho Paraguai. No entanto o fenômeno de variação ocorre também dentro de um mesmo idioma, de acordo com algumas variantes. Isso é o que chamamos de Níveis de Linguagem.
Os diversos níveis de linguagem são resumidos por Preti[1] nas seguintes categorias:

1. Língua culta padrão: Usada em todos os documentos oficiais, na imprensa, no ambiente jurídico e no mundo dos negócios. Esta modalidade da linguagem utiliza-se das regras gramaticais como sei eixo avaliativo. O que fugir às regras é considerado inadequado para a norma culta da linguagem. A comunicação jurídica é, por natureza, desenvolvida utilizando-se a língua culta.

2. Língua coloquial ou comum: utilizada no cotidiano é descompromissada com o rigor formal e busca, primordialmente, garantir a interação entre os falantes da língua. É mais utilizada na forma oral. Fazer o bom uso da linguagem coloquial é importante para o contato com as pessoas no cotidiano, sejam eles clientes simples e analfabetos, sejam eles amigos ou pessoas com alto grau de escolaridade que, em ambientes informais, utilizam também a linguagem coloquial.

2.1 Língua Popular: utilizada por pessoas de baixa escolaridade e caracterizada pelo desconhecimento das normas gramaticais. Muitas vezes utiliza-se também expressões de baixo calão. Esta linguagem não deve ser desprezada, pelo contrário, é adequada para o contato com pessoas simples e que tiveram menos oportunidades de escolarização. No dia-a-dia profissional muitos clientes que chegarão procurando pelo “seu doto devogado” estarão utilizando esta variante lingüística.

2.2 Língua Familiar: é a linguagem coloquial utilizada nas relações mais íntimas. É caracterizada por expressões carinhosas como apelidos e diminutivos.

3. Língua Grupal: São utilizadas por grupos específicos e delimitáveis. Podem, por sua vez, ser divididas em vários outros sub-grupos:

3.1 Normas Regionais ou Regionalismos: São marcas na linguagem características de determina região. Veja como falam nossos vizinhos de Carneirinho-MG, do Chapadão do Sul-MS, de São José do Rio Preto-SP ou “do Goiáis”. O fator determinante das alterações de sotaques e do grupo de palavras mais utilizadas está centrado no aspecto geográfico.

3.2 As gírias: variam de um grupo de pessoas para outros. Os exemplos clássicos são as gírias ditas pelos jovens, pelos surfistas ou pelos malandros e cafetões.

3.3 Línguas Técnicas: a linguagem técnica também é, em muitos momentos chamada de jargão, ou seja, é um conjunto de palavras, expressões e tipos de textos específicos de uma determinada categoria profissional. Os exemplos são vários: dois médicos falando de uma simples tosse pode parecer uma pneumonia incurável; dois mecânicos discutindo o movimento harmônico dos pistões do motor pode indicar a um leigo que a conta do conserto será grande; ou dois advogados discutindo a estratégia processual de uma simples divisão de herança pode parecer briga das feias.


[1] PRETI, Maria José Constantino. Manual de Linguagem Jurídica. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, p.6
ATIVIDADES
1. Pesquise na internet o termo "níveis de linguagem". Qual observação você considerou mais interessante? O que chamou sua atenção?
2. Pesquisa agora o termo "Linguagem Jurídica". Compare o resultado da pesquisa analisando o conteúdo do retorno com a definição genérica de níveis de linguagem.
3. Busque um texto chamado "Linguagem Jurídica - É difícil escrever Direito?". Trata-se uma um texto bem escrito e bem humorado sobre a escrita na área jurídica. Vale a pena a leitura.
Bom Trabalho e Boa Semana!